sexta-feira, 18 de março de 2011

DERROTANDO DEUS E A NATUREZA

* David Coimbra

A história da Civilização é a história da luta do homem contra a Natureza. História violenta, porém breve: não passa de 12 mil anos, enquanto a nossa espécie, o Sapiens Sapiens, tem mais de vinte vezes isso. Portanto, a verdade é que o homem viveu na chamada “harmonia com a Natureza” durante a maior parte do tempo da sua existência na Terra.
A agricultura rompeu com esse modelo de vida, fundou o sedentarismo e, por consequência, a Civilização. Pois a agricultura, a base da Civilização, é talvez a mais cruenta e implacável agressão à Natureza.
Quando os americanos civilizados enfim derrotaram os peles vermelhas bárbaros, um agente do governo colocou uma enxada nas mãos do último chefe índio rebelde, o altivo Touro Sentado. Era o símbolo eloquente do fim de uma era. Os índios deveriam se conformar com a troca do seu estilo de vida, o nomadismo livre, pelo do homem branco, a agricultura sedentária. Na visão deles, uma proposta abjeta. Não que não quisessem trabalhar, mas como poderiam aceitar a ideia de plantar, de derrubar árvores, de ferir o solo? De mudar o que a Natureza havia disposto? Tratava-se de um crime contra a ordem imemorial da existência.
A Bíblia também aborda esse tema. De modo metafórico, como tudo o mais na Bíblia. A rivalidade entre os irmãos Caim e Abel se desenvolve porque Jeová, o colérico deus hebreu, prefere Abel, o pastor, a Caim, o agricultor. Ou seja: Jeová preferia o nomadismo à Civilização. Mas quem venceu foi a Civilização, valendo-se dos usuais métodos civilizados: Caim matou Abel e espalhou sua prole pelo mundo. Caim venceu, a despeito da vontade de Deus.
Logo, a Civilização, que ataca e domina a Natureza, que prende o homem à terra, que o reprime social e sexualmente, a Civilização que não é do agrado nem de Deus, essa Civilização é mais forte do que os instintos do homem e do que os arbítrios da Natureza. Somos obrigados a conviver com ela. Até porque não saberíamos nos tornar nômades de novo e as manadas de búfalos que alimentavam os índios americanos já não existem mais, dizimadas que foram pelos homens civilizados, como Caim dizimou Abel e sua prole presuntiva.
Logo, continuaremos usando energia, e talvez usemos a energia de usinas atômicas; não adotaremos bicicletas em detrimento de carros mais velozes e mais confortáveis; não cessaremos a produção de transgênicos, porque sem eles não temos como alimentar 6,5 bilhões de seres humanos; não vamos parar de consumir, de construir e de destruir.
Assim é a Civilização. Nem Deus pode com ela.
O que a Civilização precisa é aprender a fazer tudo isso com racionalidade. Precisa aprender mais sobre a Natureza, para domá-la com maior eficiência. Se soubesse mais sobre a Natureza, e não ficasse à mercê de seus desígnios, a Civilização anteciparia enchentes, terremotos e tsunamis. E evitaria tragédias, tanto domésticas, como a nossa de São Lourenço, quanto internacionais, como o cataclismo do Japão.
Não é certo que a ação do homem cause todas essas calamidades naturais modernas, como alguns suspeitam, mas é certo que a ação do homem pode antecipá-las e impedi-las. O homem não tem de se entregar à Natureza: a Natureza é selvagem, é desumana, é, sobretudo, incivilizada. O homem tem que empregar a mais humana de suas criações, a Ciência, para compreender a Natureza. E derrotá-la.

* coluna na Zero Hora - 18/03/2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

INCÔMODO....

Recentemente um casal de médicos veio morar próximo a minha casa, no Assentamento 16 de Março. Para quem não sabe moro em um Assentamento da Reforma Agrária. No entanto essa vinda do casal de médicos causou debates na sociedade, principalmente na cidade de Pontão. Muitos não conseguem entender como um casal de médicos, formados no exterior, com pós-graduação resolvam morar em um assentamento e trabalhar praticamente de graça. Para mim é algo natural, também possuo pós graduação e minhas vizinhas mais próximas no assentamento também possuem pós-graduação, alguns ex-alunos meus que residem no assentamento cursam medicina, engenharia, direito, administração, entre outros. Isso para muitos causa espanto e até mesmo indignação, como pessoas com boa formação acadêmica optam em viver desse modo, de maneira mais simples, sem se importar com questões financeiras. Acredite isso incomoda muita gente. Parece que se doar em razão de uma causa ou de várias causas é o fim do mundo, optar em morar em um assentamento para muitos parece o fim do mundo. Esse espanto na minha opinião significa outra coisa...muitas pessoas vivem obcecadas por bens materiais e dinheiro e esquecem de viver. E para piorar complicam com as pessoas que escolhem outra forma de viver. Me parece que pensar nos outros, no social, não só em si próprio, causa incômodo...

segunda-feira, 14 de março de 2011

EVITAR LUGARES-COMUNS

Após algum tempo tentando entender o que vários pensadores diziam, com a frase: “que devemos evitar lugares-comuns”, no entanto, respeitar a sabedoria que está impregnado nesses lugares; percebi a veracidade dessas afirmações. Realmente devemos evitar o máximo possível lugares-comuns, mas o difícil disso é que o tempo todo as pessoas estão nos levando para lugares-comuns; amigos, familiares, vizinhos frequentam o tempo todo lugares-comuns. Recentemente em um jornal de grande circulação um jornalista escreveu que o Governador Tarso Genro sabia da real necessidade do reajuste salarial aos professores e a contribuição que isso teria para com a educação, por que segundo o jornalista o Governador era um homem de não frequentar lugares-comuns, e de certa isso é verdade, pois em pleno feriado de carnaval, o Governador estava na Romaria da Terra, em um Assentamento da Reforma Agrária, para a maioria das pessoas um lugar extremamente comum, que na verdade é incomum; e a maioria das pessoas estavam no carnaval em um lugar comum, mas que pensam que é incomum. O parar para compreender e interpretar o mundo requer certo distanciamento de lugares-comuns. Diferenciar lugares-comuns dos incomuns fica a critério de cada um, mas normalmente os lugares-incomuns que propiciam um maior entendimento de nossas ações e vivências estão tão próximos que mal percebemos. E quase sempre gastamos tempo, energia e dinheiro para frequentar lugares tão comuns...vazios. Esse final de semana por exemplo, permaneci por algumas horas em um lugar-comum (um shopping)....mas era por um bom motivo.